A glamourização dos excluídos

Sebastião Salgado I

Existem pessoas, cujo reconhecimento é tão grande que qualquer coisa que se diga delas ou da respectiva obra faz do “critico” uma pessoa execrável. Uma ex-aluna, jornalista atuando como fotógrafa, escreveu um trabalho de conclusão de curso comparando seis ou oito fotos (ñ lembro), do famoso e reconhecido, com quadros considerados clássicos da icnografia cristã. São quase que absolutamente idênticos alguns elementos. Não sei de onde ela tirou a ideia. Coincidência? Pode até ser. Inspiração? Pode até ser. Mas é preciso reconhecer, dizer, indicar que tal relação existe. É claro que é preciso talento, também, até para “copiar”. Nada contra em arrumar (produzir) o “cenário” para a foto perfeita. Só que isso tem que ser dito. No fotojornalismo é condenável. A lógica atual é a do paparazzo. Da fotocampana. Ou da foto produzida. Das teles com flasches em plena luz do dia. Quem de nós não ficaria imbatível contando com o trabalho de alguns dos melhores profissionais de laboratório fotográfico, do mundo? Quem de nós contando com a patrocínio (antecipado e de milhões), em todas as etapas, não produziria séries fotográficas para a posteridade? Assisti, faz tempo, uma entrevista do famoso, no programa Roda Viva que, a cada duas palavras dizia ENTENDE (uma coisa irritante), com uma atitude de superioridade e até mesmo de arrogância, intercalando palavras de “humildade”. Humildade conta pontos. Toda unanimidade é burra. No mínimo desconfio. Tenho um certo prazer de ficar na contramão. Não para ficar em evidência. Pelo simples prazer de ser gauche. Nasci torto. Ou idolatria de profissionais que estão submetidos a um dos piores momentos da história da profissão. Grande parte free. Desempregados. É quase tudo foto/divulgação ou de agência, coisa de relações públicas. Não tenho a pretensão de ter todas as verdades. Apenas uma parte dela. E não posso fazer nada se ainda penso!

Wladyunga (wu)

 

Sebastião Salgado II

Na porta da Fabico (Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da UFRGS) um aluno pede para conversar comigo. E pergunta: professor, quantos fotógrafos da nova geração, trabalhando na mídia corporativa como o senhor diz, como setorista de polícia ou plantão, fazendo acidentes, poderá se tornar um Sebastião Salgado? Fiquei calado olhando para o aluno. Um olhar de simpatia. E, é claro, pensei que a resposta seria, nenhum. Devolvi a pergunta. E ele, nenhum. Segue o papo. Quantos fotógrafos da velha geração submetidos ao cotidiano das redações, mesmo considerando os bons tempos do fotojornalismo, conseguiram reconhecimento como o Sebastião Salgado? Não tinha, evidentemente, como devolver a pergunta. Respondi de pronto, nenhum. E, imediatamente, pensei em alguns talentosos: Armênio Abascal, Olívio Lamas, Scalco, Assis (estes já morreram), mas lembrei de Paulo Franken e Daniel de Andrade e de muitos outros, quase todos fora das redações. Fiquei pensando que todos estes poderiam ter sido um Sebastião Salgado, submetidos a outras condições de trabalho. Mil desculpas a todos que não foram incluídos nesta relação. Foram os nomes que primeiro me vieram em mente. Talvez por ter convivido com todos eles. O Armênio era puro talento, mas um “marginal”. Comprei, recentemente, alguns números, encadernados, da Revista Placar para ter algumas das mais brilhantes fotos do Scalco. A lista seria enorme.

Wladyunga (wu)

 

Sebastião Salgado III

Passei parte da manhã em um café do Bom Fim (POA). Uma mesa equilibrada. Metade de jornalistas da nova geração e a outra metade da velha geração. Para não fugir à regra, todos falando sobre jornalismo. Lá pelas tantas, um deles (nova geração) diz de forma direta: não gosto das fotos do Sebastião Salgado. Silêncio na mesa. Fico super atento. Até pelo fato de que este é um ex-aluno com o DNA da profissão. E segue dizendo o principal motivo. São imagens perfeitas, tecnicamente irretocáveis, verdadeiros quadros, uma glamorização dos pobres, marginais (dos que estão à margem), excluídos; e as de caráter, nitidamente, etnográficos obedecem à estética colonialista. Não tem nenhuma diferença expressiva de como os colonialistas retratavam fotograficamente e em seus desenhos os “primitivos”. Esta é a razão para agradar, amplamente. Imagens de marginais (dos que estão à margem) que não incomodam. Lindas. Seguiram-se várias observações. Da antiga geração escuto uma boa história. Diz ele, escutei um relato de uma antiga editora de cultura de tal jornal. Ela, como fotógrafa, super ligada ao Xingu presenciou a chegada do Sebastião Salgado com sua equipe. Conta várias detalhes sobre quem é esta pessoa, a relação dela com os povos da região, a importância no jornalismo e alguns aspectos da presença do famoso. Destaco um detalhe deste relato. O famoso estava fotografando um índio, pescando; e após algumas fotos se dá conta que o indígena está com um imenso relógio de pulso. Pede para que o índio tire o relógio e depois de muitas tratativas, desiste. O índio não aceitava tirar o relógio. Não lembro o valor citado que ele teria pagado para realizar a série. Uma puta grana. Este velho jornalista, após ressaltar a limpeza técnica das fotos, também, expressou concordar com as observações do mais jovem. Retornei para a “caverna” com a alma mais serena. Não estão, completamente, fora de propósito algumas coisas que tenho pensado e sobre as quais tenho rabiscado algumas linhas, nos últimos dias.

Wladyunga (wu)

  • O trabalho de curso sobre imagens comparando fotos de Sebastiao Salgado com quadros clássicos me fez lembrar o livro extraordinário do Leão Serva “A fórmula da emoção na fotografia de guerra” (Ed. Sesc). Ele também compara fotografias de conflitos, alguma muito conhecidas, com imagens clássicas de quadros e gravuras antigas, igualmente conhecidas. O livro do Serva usa como fundamento os estudos de Aby Warburg, o criador do conceito “fórmula de páthos ou fórmula da emoção”, uma espécie de “guia” para interpretar fotografias de guerra.

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